O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUAS VICISSITUDES ENTRE ALEMANHA E BRASIL: ANÁLISE DE UM CASO DE INADVERTIDA CRIATIVIDADE JURÍDICA (1964-2016) - DOI: 10.12818/P.0304-2340.2019v74p39
Abstract
A discussão sistemática dos chamados delitos de bagatela pela comunidade de penalistas nos mais diversos países teve de esperar o segundo pós-guerra e a emergência do Estado constitucional para acontecer. No Brasil, a solução pela qual a ciência penal nacional optou foi o chamado princípio da insignificância, que entrou na discussão pátria como uma suposta importação do Geringfügigkeitsprinzip de Claus Roxin nos anos 80 e passou a monopolizar a discussão sobre o tratamento das condutas típicas de escasso potencial lesivo. No presente trabalho, procurou-se reconstruir alguns dos principais momentos da evolução da discussão sobre o mencionado princípio na ciência penal brasileira, começando por sua suposta origem na Alemanha e sua consequente “recepção” pela penalística nacional, e prosseguindo em direção às suas repercussões na teoria analítica do delito para finalmente exporem-se alguns dos aparentes impasses envolvendo sua aplicação. Constatou-se que a discussão do mencionado princípio levou a uma interessante reflexão sobre a relação entre os princípios jurídico-penais fundamentais inerentes ao Estado democrático de direito e a teoria do delito, que talvez poderia desenvolver-se com maior solidez se se abandonassem alguns mitos de origem sobre o nascimento da teoria.
PALAVRAS-CHAVE: Princípio da insignificância. Importação de ideias jurídicas. Tipicidade material. Princípios jurídico-penais fundamentais. Claus Roxin.
References
ACKEL FILHO, Diomar. O Princípio da Insignificância no Direito Penal. In: Revista Jurisprudencial do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. São Paulo, vol. 94, pp. 72-77, abr.-jun./1988.
ALEMANHA. 1871. Strafgesetzbuch. Disponível em: <https://www.gesetze-im-internet.de/stgb/__240.html>. Consultado em: 09/09/2018.
______. 1879. Strafprozeßordnung. Disponível em: <https://www.gesetze-im-internet.de/stpo/__153.html>. Consultado em: 12/09/2018.
AMBOS, Kai. The Overall Function of International Criminal Law: Striking the Right Balance Between the Rechtsgut and the Harm Principles. A Second Contribution Towards a Consistent Theory of ICL. Criminal Law and Philosophy: An International Journal for Philosophy of Crime, Criminal Law and Punishment. Dordrecht (Netherlands), Vol. 9, n. 2, pp 301–329, Junho de 2015.
ÁUSTRIA. 1852. “Das” Strafgesetz über Verbrechen, Vergehen und Uebertretungen, die Strafgerichts-Competenz-Verordnungen und die Press-Ordnung vom 27. Mai 1852 für das Kaiserthum Oesterreich. Viena: kaiserlich-königlichen Hof- und Staatsdruckerei, 1853.
______. 1803. Gesetzbuch über Verbrechen und schwere Polizey-Uebertretungen. Vol. 1: Von Verbrechen. 2. ed. Viena: K. K. Hof- und Staats-Aerarial-Druckerey, 1815.
______. 1803. Gesetzbuch über Verbrechen und schwere Polizey-Uebertretungen. Vol. 2: Von den schweren Polizey-Uebertretungen und dem Verfahren bey denselben. 2. ed. Viena: K. K. Hof- und Staats-Aerarial-Druckerey, 1815.
BARBOSAE, Augustini. Tractatus varii. Borde, Philippe & Arnaud, Laurent & Rigaud, Claude, 1660, p. 102.
BECCARIA, Cesare. Piano d’istruzioni per la cattedra di scienze camerali o sia di economia civile”. In: BECCARIA, Cesare. Opere. Org. ROMAGNOLI, Sergio. Florença: Sansoni, 1958, pp. 341-349.
BIRNBAUM, Johann Michael Franz. Über das Erforderniß einer Rechtsverletzung zum Begriffe des Verbrechens. In: BIRNBAUM, Johann Michael Franz. Zwei Aufsätze. Organizado por José Luis Guzmán Dálbora e Thomas Vormbaum. Münster: LIT Verlag, 2011, pp. 1-34.
BRASIL. 1830. Código Criminal do Império do Brasil. Organizado por Carlos Antonio Cordeiro. Rio de Janeiro: Typ. De Quirino de Irmão, 1861.
______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 118853/ES. 1º turma. Rel. Min. Luiz Fux. Espirito Santo. 29 abr. 2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28118853%2ENUME%2E+OU+118853%2EACMS%2E%29%28PRIMEIRA%2ESESS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/y9zt7j76.> Consultado em: 28/09/2018.
CALLIESS, Rolf-Peter. Dialogisches Recht: Beiträge zur Rechtstheorie und zu den Grundlagen des Strafrechts im demokratischen und sozialen Rechtsstaat. Tübingen: Mohr Siebeck, 2005, pp. 115-6, 123-4
CASTRO, Alexander de. “Boa Razão” e Codificação Penal: Apontamentos sobre a Questão Penal Setecentista em Portugal (1769-1789). In: Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, n. 111, pp. 105-143, Jul./Dez. 2015.
DREHER, Eduard. Die Behandlung der Bagatellkriminalität. In: STRATENWERTH, Günter et al. (Hrsg.). Festschrift für Hans Welzel zum 70. Geburtstag. Berlin: Walter de Gruyter, 1974, pp. 917-940.
FEINBERG, Joel. Harm to Others: The Moral Limits of the Criminal Law. New York: Oxford University Press, 1984.
FEUERBACH, [Paul Johann] Anselm (Ritter von). Lehrbuch des gemeinen in Deutschland gültigen peinlichen Rechts. Giessen: Heyer, 1847.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987.
GOLDSCHMIDT, James Paul. Das Verwaltungsstrafrecht: eine Untersuchung der Grenzgebiete zwischen Strafrecht und Verwaltungsrecht auf rechtsgeschichtlicher und rechtsvergleichender Grundlage. Berlin: Carl Heymanns Verlag, 1902.
GOMES, Luiz Flávio. Delito de Bagatela: Princípios da Insignificância e da Irrelevância Penal do Fato. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 1, 2001.
______. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
______. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
______; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
GRECO, Luís; LEITE, Alaor. Claus Roxin, 80 anos. In: ROXIN, Claus. Novos estudos de direito penal. Org. Alaor Leite. Tradução de Luís Greco et. al. São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 31
HESPANHA, António Manuel. Da “iustitia” à “disciplina”: textos, poder e política penal no Antigo Regime. In: HESPANHA, António Manuel. Justiça e litigiosidade: história e prospectiva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, pp. 287-379;
KÖHLER, Michael. Strafrecht: Allgemeiner Teil. Berlin: Springer-Verlag, 2013, pp. 88-9.
KRÜMPELMANN, Justus. Die Bagatelldelikte: Untersuchungen zum Verbrechen als Steigerungsbegriff. Berlin: Duncker und Humblot, 1966.
KÜPER, Wilfried. Strafrecht Besonderer Teil: Definitionen mit Erläuterungen Grundbegriffe des Rechts. Ed. 8. Heidelberg: CF Müller, 2012, pp.244-5.
LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito Penal: Analise à luz da Lei 9.099/95: juizados especiais penais e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
______. Princípio da Insignificância no Direito Penal: Analise à luz da Lei 9.099/95: juizados especiais penais e da jurisprudência atual. Vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, pp. 53-4;
MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 2.ed. São Paulo: Método, 2014.
MAYER, Hellmuth. Die gesetzliche Bestimmtheit der Tatbestände. In: Materialien zur Strafrechtsreform. Band I: Gutachten der Strafrechtslehrer. Bonn: Bundesminister der Justiz, 1954, pp. 259-277.
MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Carcere e fabbrica: alle origini del sistema penitenziario (XVI-XIX secolo). 2. ed. Bologna: Il mulino, 1977.
MITSCH, Wolfgang. Recht der Ordnungswidrigkeiten. Berlin: Springer-Verlag, 2013
MORBIDELLI, Giuseppe. La costituzione. In: MORBIDELLI, Giuseppe et al. Diritto pubblico comparato. Torino: Giappichelli, 2004, pp. 27–72.
PERSAK, Nina. Criminalising Harmful Conduct: The Harm Principle, its Limits and Continental Counterparts. New York: Springer Science & Business Media, 2007.
QUEIROZ, Paulo. Do Caráter Subsidiário do Direito Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, pp. 120, 125;
REBUFFA, Giorgio. Scienza del governo e problema penale nell’opera di Joseph Von Sonnenfels. In MADDALENA, Aldo De; ROTELLI, Ettore; BARBARISI, Gennaro (org.) Economia, istituzioni, cultura in Lombardia nell’età di Maria Teresa. Volume secondo: Cultura e Società. Bologna: Società editrice il Mulino, 1982.
REINERT, Sophus A. The Academy of Fisticuffs: Political Economy and Commercial Society in Enlightenment Italy. Cambridge: Harvard University Press, 2018
REIS, Marco Antonio Santos. O que há de significativo na insignificância? In: Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n. 62, pp. 115-138, out./dez. 2016.
ROTHER, Wolfgang. The Beginning of Higher Education in Political Economy in Milan and Modena: Cesare Beccaria, Alfonso Longo, Agostino Paradisi. In: FEINGOLD, Mordechai. History of Universities. Vol. 19/1. Oxford: Oxford University Press, 2004, pp. 119-158.
ROXIN, Claus. Kriminalpolitik und Strafrechtssystem. Berlin/New York, Walter de Gruyter, 1973.
______. Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
______. Política Criminal y Sistema del Derecho Penal. 2. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2002.
______. Strafrecht. Allgemeiner Teil. 4. Aufl. München: C. H. Beck, 2006, p. 299.
______. Verwerflichkeit und Sittenwidrigkeit als unrechtsbegründende Merkmale im Strafrecht. Juristische Schulung. München, 40. Jahrgang, pp. 373-381, 1964.
______. Verwerflichkeit und Sittenwidrigkeit als unrechtsbegründende Merkmale im Strafrecht. In: ROXIN, Claus. Strafrechtliche Grundlagenprobleme. Berlin: Walter de Gruyter, 1972, pp. 184-208.
RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punishment and Social Structure. New Brunswick, London: Transaction Publishers, 2003.
SAAL, Martin. Das Vortäuschen einer Straftat (§145 StGB) als abstraktes Gefährdungsdelikt. Berlin: Dunckler und Humblot, 1996.
SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o Princípio da Insignificância. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre, v. 3, n. 1, pp. 36-50, jan-mar/1990;
SEELAENDER, Airton L. Cerqueira Leite. A “Polícia” e as Funções do Estado: Notas sobre a “Polícia” do Antigo Regime. Revista da Faculdade de Direito. Universidade Federal do Paraná. Curitiba, v. 49, p. 73-87, 2010.
______. Polizei, Ökonomie und Gesetzgebungslehre. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 2003.
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da Insignificância no Direito Penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011.
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2010.
SINA, Peter. Die Dogmengeschichte des strafrechtlichen Begriffs "Rechtsgut". Basel: Helbing & Lichtenhahn, 1962.
STARCK, Christian. Der demokratische Verfassungsstaat: Gestalt, Grundlagen, Gefährdungen. Tübingen: Mohr Siebeck, 1995.
STOLLEIS, Michael. Geschichte des öffentlichen Rechts in Deutschland. Band 1: Reichspublizistik und Policeywissenschaft 1600 bis 1800. München: Beck, 1988.
TIEDEMANN, Klaus. Die mutmaßliche Einwilligung, insbesondere bei Unterschlagung amtlicher Gelder. Juristische Schulung. München, 45. Jahrgang, pp. 108-113, 1970.
TONIATTI, Roberto. La democrazia costituzionale repubblicana. In: CASONATO, Carlo (Org.). Lezioni sui principi fondamentali della Costituzione. Torino: Giappichelli, 2010, pp. 35–81.
VORMBAUM, Thomas. Birnbaum und die Folgen. In: BIRNBAUM, Johann Michael Franz. Zwei Aufsätze. Organizado por José Luis Guzmán Dálbora e Thomas Vormbaum. Münster: LIT Verlag, 2011, pp. 93-117.
WELZEL, Hans. Das Deutsche Strafrecht. 11. ed. Berlin: Walter de Gruyter, 1969, pp. 55-7.
WITTIG, Petra. Rechtsgutstheorie, “Harm Principle” und die Abgrenzung von Verantwortungsbereichen. In: HEFENDEHL, Roland; VON HIRSCH, Andrew; WOHLERS, Wolfgang (Org.). Die Rechtsgutstheorie: Legitimationsbasis des Strafrechts oder dogmatisches Glasperlenspiel? Baden-Baden: Nomos, 2003, pp. 239–243.
ZACHARYAS, Lidia Losi Daher. Princípio da insignificância no direito penal. Revista jurídica da escola superior do ministério público de São Paulo. São Paulo, v. 2, pp. 245-262, 2012.